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(...)“Por outro lado há pessoas que sentem atraídas pela minha Sensatez. São poucas. Mas elas existem. Elas e eu somos como dois planetas que gravitam na escuridão do espaço, naturalmente se atraindo e se repelindo. Elas vêm à mim, relacionam-se comigo e um dia vão embora. Elas se tornam amigas. Em certas situações elas se tornam oponentes. De qualquer forma, todas acabam se afastando de mim. Algumas desistem, outras se decepcionam, outras silenciam e acabam indo embora. No meu quarto existem duas portas. Uma é a entrada e a outra é a saída. Não há como confundi-las. Não se pode entrar pela saída, nem tampouco sair pela entrada. É algo definido. As pessoas entram pela porta de entrada e saem pela porta de saída. Há diversas maneiras de entrar e de sair por elas. Mas, independente do modo como entram e saem, no final todas acabam saindo. Uma pessoa saiu para tentar uma nova possibilidade, a outra para não perder mais tempo e a outra morreu. Não sobrou ninguém. Dentro do quarto não há ninguém. Somente eu. Sempre tenho consciência da falta que sinto dessas pessoas. Destas que se foram. Percebo que suas palavras, sua respiração e seu cantarolar ficaram impregnados na casa como partículas de pó.
Provavelmente elas conseguiram enxergar uma imagem pouco distorcida do que sou realmente. Esse deve ser o motivo pela qual elas se aproximam de mim e depois se afastam. Elas reconheceram meu esforço de ser sincero – não consigo encontrar outra explicação – e procuraram acreditar nele. Tentaram me dizer algo e fazer com que eu abrisse o coração. A maior parte dessas pessoas era dócil e carinhosa. No entanto, nada pude lhes oferecer. Mesmo que eu pudesse lhes oferecer algo, esse algo parecia insuficiente. Sempre me esforcei para dar o melhor de mim. Tudo que pude fazer eu fiz. Eu também desejava algo delas. Mas, no final das contas, nada dava certo. E, assim, partiram."
Do livro Dance, dance, dance - Haruki Murakami
A leitura desse trecho acaba tendo um acabamento primoroso quando acompanhada da música [vide vídeo abaixo]: Solitude#2, do compositor e instrumentista contemporâneo Ryuichi Sakamoto, que faz parte da trilha sonora do filme "Tony Takitani", que é uma adaptação do livro de mesmo nome, do Haruki Murakami. Mas aí já é uma outra história. E independente de citar e misturar as obras, Murakami tem sempre sua peculiaridade, aquele sabor reconhecível quando se trata de uma narração num mundo bizarro, dos amores efémeros e claro, da solidão, o que me encanta e só torna minha apreciação e rendição pelo seu trabalho, cada vez mais, num patamar elevado.
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