24 junho, 2008

Trinta e uma passagens

A felicidade pode ser denominada como um estado de espirito e de bem estar; seja ela instantânea ou duradoura, na qual insistimos dizer que essa busca seja eterna. Pra alguns ela pode ser tão estável, como a simplicidade em ouvir à voz de seus filhos do outro lado da sala, ou a conquista de um bem material. Pra outros, basta ver o Sol raiar enquanto abotoa a camisa que ganhou no Natal passado.

Quando me perguntam sobre felicidade, protelo por alguns instantes em responder. Histórias tristes insistem seguir o curso da memória antes de concluir sobre que tipo de felicidade eu vivi, passei a sustentar ou buscar.

E enquanto você mastiga o almoço tentando ignorar as conversas repetitivas ou quando você percorre as ruas da cidade num banco ao lado de um estranho que tenta ser notado com conversas sobre o tempo lá fora. Você tenta se concentrar naquela música ou naquele livro, acaba por encarar que a maior parte dos seus dias não é feito de felicidade, pois seu rosto permanecerá sereno ou sério, enquanto estiver sozinho ou executando tarefas; seus pensamentos estáticos ou voltados para o que virá nos próximos instantes, como a bebida que irá ingerir após a última garfada ou uma olhada no espelinho de bolso enquanto guarda o livro, antes de descer no seu ponto. Logo você não pode ser preenchido pela felicidade à todo instante. Você põe em foco objetivos e esquece completamente sobre qualquer satisfação e alívio que pode ser proporcionado pra estampar um sorriso.

Hoje a felicidade pra mim é algo subjetivo. Acredito na aceitação de que a minha vida não é uma fábula; que aquele medo jamais será superado; que as manchas sempre surgirão na pior das hipóteses; que eu posso estar sozinha a qualquer instante.
E são nos momentos minimamente detalhados sobre histórias contadas ou sobre a história que está sendo escrita, o conforto de que você não esteja só, com essa mania perdida de procurar traços minuciosos que tinham sido apagados por quem nos acham tolos. É neste exato instante que você percebe cenas alteradas onde você estava acostumada e nauseada.

Enquanto isso as areias correm. O tempo pode ser julgado suficiente pela qualidade como é gasto e não pela quantidade em que é contado. E assim correm os dias desde então, aguardando uma presença, preparando uma surpresa, assistindo a inércia, imaginando o que estás sonhando, ouvindo aquela melodia, tomando goles de coragem, em doses homeopáticas aceitando os embaraços e jorrando as verdades, prencheendo com o que não foi planejado ou talvez com o que esteve apenas nos sonhos adormecidos.

O mundo pode ser trancado para os possiveis danos e intenções mas talvez aberto para uma visita, tornando a simplicidade em clareza. O inverno descansando e despertando lá fora e a proximidade gerando calor em todas as portas e no coração.
Já sustento pouca vaidade pra admitir que gosto de carregar esse sentimento, mas não o tenho pela satisfação que me causa, mas pela maneira que representa como um ser humano melhor. E a grande parcela dos meus dias melhores tem um único e satisfatório motivo neste exato instante em que eu chamo de felicidade.

Não se escreve sobre felicidade pois ela é imensurável, mas ainda existe algo que queira ser registrado e depois me recuso redigir qualquer reação, pois me sinto bem. E isso só lhe cai bem quando você não perde nenhum instante do momento exato que a felicidade está à sua frente.

20 junho, 2008

A Porta



Pele, a única superficialidade existente entre nós, sobre ela os dedos delineiam os contornos; e os gestos substituem o silêncio da boca, das pupilas dilatadas com reflexos da luz externa, e de todas as coisas trancadas egoistamente em um corpo pulsante de anseios. Essa dificuldade em respirar ao construir um plano pra cada palavra a ser proferida, de maneira que elas sejam passadas verdadeiramente sem manchas; emoldurando o quadro pintado exclusivamente para a exposição.

Porta - está aberta; enquanto o mundo não pára, o meu mundo gira em torno dela.
E essa semelhança na deformidade acaba por invadir os corredores das nossas almas como furacões, desconcertando as paredes que a pouco foram levantadas.
Disfarçava receios na descoberta do caminho, que à principio era escuro; hoje, permeio seguindo as batidas desenfreadas do coração, e que já não tem mais volta, pois já estou parada na porta, à um passo do abismo evidente.

As areias correm em seu tempo, mas ainda que haja tempo, não quero vê-lo passar.
E quando o íntimo permitir, entre e tranque a porta.

12 junho, 2008

L'amour

A metrópole de São Paulo chega à cerca de 19 milhões de pessoas. Quem dirá a somatória das outras cidades e então de países.
Com tantos rostos e gostos, indo e vindo, se comportando como se fossem donos das ruas, acabam por tornar a cidade como um leque de infinitas possibilidades, entre casos e acasos.

Na busca eterna por um par, nos deparamos entre tantos corpos, entre tantas contradições que cometemos perante às relações, por cegueira e loucura, envolvimento e a dita paixão.
Na verdade, o grande mal da humanidade é acreditar que está tudo destinado, que será perfeito e eternamente gratificado.
Passamos a crer no mito do amor romântico, que seja capaz de nos amarrar melosamente, dramaticamente dependente. Essa fábula, que nos contam desde pequenos antes de embalarmos em sonhos, nos afunda nas profundezas da ilusão.

É nessas horas que devemos colocar em questão sobre o que é o amor?
A medida que nos experimentamos, os sabores, as cores e a pretensão de um valor mal visto, somos tomados pela realidade. Quando isso ocorre nos labirintos do que nos é imposto ou tomado; Ou nos isolamos somente pelas consequências de lembranças tristes, afim de que podemos nos manter longe de qualquer dor que fragmente mais ainda um coração flagelado. Ou nos rendemos e desmistificamos o amor, na sua concreta forma.

Ah o amor! Não apriosiona, não depende, e nem é constituido pela paixão.
O amor é verdadeiro na inocência, no desprendimento, no admirar em silêncio, no querer bem sem absolutamente nada em troca. Mas se houver troca que seja na medida exata que os braços humanos possam carregar, e que a força da alma possa proporcionar.
É a explosão de um vulcão sem se preocupar quando sua chama irá se extinguir.
É incompreensivel, é terno e as vezes secreto.
Há quem acredite nele pelo abismo que possa enfrentar; Há quem o trate como uma unidade minima; há quem não acredite, ou não queira acreditar.
Mas o amor, com sua capacidade de transformação, não existe melhor sensação do que saber que você tem um, seja lá como ele for.

E ainda que numa cidade com infinitas possibilidades...
ás vezes, não existe coisa melhor do que saber que você só tem uma.

09 junho, 2008

É como deixar assistir minha necrópsia, enquanto ainda viva estiver. Pois não há prova maior de vida do que ver o contraste do vermelho no piso frio e sentir a ínsípida fluídez vertendo nas mãos.
Naquele instante nada mais importava, a não ser sentir a temperatura do seu interior esvair, a necessidade de sobreviver e a ansia em querer limpar a desordem.
Como se estivesse limpando as evidências do assassinato da perfeição.
Vendo a água escoar ralo abaixo, desejando que os problemas estivessem ali misturados, junto à visão turva e o formigamento no corpo.

"Você já viu alguém levar um tiro e não sangrar?" Mas o tiro não foi lançado e mesmo assim sangrou. Talvez foi certeiro na alma, o sangue se esvai e a dor agravou.

Perfeição.
Quisera ser perfeita por um instante. Mas esse desejo momentâneo e inalcançavél fosse apenas uma mentira brusca que surra a razão, escondida nas máscaras e nas vestes de alguém trivial.
Juntando o pensamento leviano e medíocre de tentar viver uma vida normal por 24 primaveras.
Mas sempre haverá um instante em que a realidade tenha de ser encarada ao invés de dissimulada. Sendo assim, é como tem de ser.
Como "cenouras invísiveis" esse assunto nem sempre é proferido, pois falta coragem, um pouco mais de confiança, e todos os aspectos necessários pra arrancar o coração com as mãos, e entrega-lo ainda pulsando, nos últimos suspiros. Acreditando que algum dia, ele esteja apto a compreender o poço de dores e travas que esta matéria sustenta.

Hoje, nem só de oxigênio e nutrientes o sangue é constituído, mas nele existe uma única e doce sensibilidade que alimenta o coração, doando razão pra pulsar ao despertar.

02 junho, 2008

REM

A muito sua manifestação já não era lembrada, talvez o inconsciente bloqueou todas as coisas que de alguma forma permaneceram mortas durante um tempo.
Ao acordar, a cabeça ainda doía, mas fez-se o esforço pra recapitular os relapsos.
Aos poucos aquela sensação de reconforto, em cena, alguns momentos do dia após anteontem, ou da noite em que o coração parou por alguns instantes e retomou seu bombear com todo vigor.
Inebriante, aquele aroma da veste escura lhe é familiar, trazendo à tona a sensação entorpecente de estar em outro lugar e assim, os rápidos movimentos dos olhos foram como refletores de um filme, que repete todas as cenas, mesmo de olhos abertos.