(...) a leitura da ponta dos dedos; o resmungar do nariz; os fios de cabelo bagunçados com a inquietude sobre o travesseiro; a meia luz da noite e a meia luz do dia que invadem o quarto pelas frestas; os golpes precisos; os músculos enfraquecidos; o estalar dos ossos; os risos não contidos; o entregar aos embaraços; as manhãs de domingo; o encarar sério tentando vencer pelo cansaço e pelo entregar de sorrisos; a face afundada no decote, enganando o rubor da timidez; as melodias que embalam a intimidade; os acordes que remetiam a partida; a falta de ar debaixo d’água; a falta de ar com pernas trêmulas e a falta do ar com coração querendo falar “saudade”, “amor”, “não vivo sem você por perto”.
Mais do que palavra sem a tradução das línguas, saudade é o sentimento único que não mensura a força com que rasga o coração, a quilometragem que separa os corpos ou razão pela qual se manifesta; ligando os dias não muito distantes e de sensações que deixam resíduos. Todo mundo um dia já se sentiu assim, e é quase uma estupidez enganar-se de sua existência, fazendo com que "o longe" e "o perto" pareçam tão iguais e confundidos como pernas e estrelas.
A saudade é uma dor da espera, e nem é dor física, mas dói, dói pra caralho, e ora outra, uma voz, uma conversa, reler cartas, rever fotos, ameniza em doses homeopáticas essa dor, esse querer trazer de volta pra a realidade palpável e vivida.
Ninguém tem saudade de dor, de tapa, de grito. Ou como diria Neruda: "Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade: aquela que nunca amou". E é ela que nos faz aquela visita nas horas mais inoportunas, mais frias e vulneráveis, e só cessa - quando cessa - com retornos.
Mas a espera e o tempo, apesar de arrastarem arados, valem quando carrego essa ânsia, do melhor que está por vir; do momento exato em que em meus braços, terei de volta todo aroma que busquei durante dias na casa, na cama, no chuveiro, no terraço, nas ruas de SP, no sonho e na realidade.
E o melhor de tudo é que hoje, eu tenho mais dedos nas mãos, do que dias pra contar.
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